O movimento pela anistia começou a ganhar força a partir da segunda metade da década de 1970. Entre os inúmeros fatores que levaram o governo do general Ernesto Geisel a incluir esse tema na pauta política, está o resultado das eleições de 1974, amplamente favorável para o MDB.
No dia 14 de agosto de 1979, milhares de pessoas, entre professores, estudantes e sindicalistas, concentrados nas escadarias do Palácio Pedro Ernesto, sede da Câma-ra Municipal do Rio de Janeiro, gritavam palavras de ordem, estendiam faixas e balançavam bandeiras. Essa manifestação fazia parte do calendário de atos públicos programados pelo Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) para todo o país, em favor da aprovação da anistia am-pla, geral e irrestrita.É preciso diferenciar a aprovação da lei n. 6.683, de 28 de agosto de 1979, e as mobiliza-ções organizadas pelos movimentos sociais em torno da anistia ampla, geral e irrestrita. Em nossa opinião são duas questões distintas, tanto que na historiografia brasileira existem três correntes interpretativas que tratam dos fatos e acontecimentos que marcaram a anistia e a abertura política.A primeira corrente interpretativa procura enfocar a atuação da cúpula militar como os “atores centrais” no projeto político. Isso porque, segundo as memórias dos próprios parti-cipantes dos governos dos generais Ernesto Geisel (1974-1979) e João Baptista Figueiredo (1979-1985), deve-se aos militares o sucesso da abertura política – apesar da interferência inoportuna dos líderes civis. Para os pesquisadores que se enquadram nesta vertente, foram os militares que coordenaram a disputa contra a chamada “linha dura” que devolveram à sociedade civil o Estado de direito (D’Araújo et al., 1995).Para esses setores militares, as tarefas fundamentais do projeto foram desencadeadas, coordenadas e controladas por cima, sem a intervenção dos grupos civis, nem mesmo de parlamentares da Aliança Renovadora Nacional (Arena). Assim, do ponto de vista dos atores militares, pretendeu-se claramente um processo de abertura limitado e conduzido pelo alto, do qual estariam excluídas as forças de oposição. O aspecto “lento e seguro” da abertura re-presentou, justamente, uma medida planejada para a manutenção da ordem sem quebrar a constitucionalidade (D’Araújo et al., 1995).Na leitura dos membros da segunda corrente interpretativa, o palco principal da disputa política ocorreu no Congresso Nacional. Essa interpretação procura destacar a decisiva e efetiva intervenção do governo militar no Congresso Nacional, durante os trabalhos da co-missão criada para discutir os pontos centrais da Lei da Anistia, sobretudo durante o mês de agosto de 1979 (Câmara da Silva, 2007).Assim, esses autores apresentam um histórico das tentativas de inclusão da anistia polí-tica desde os primeiros momentos pós-golpe de 1964. Também enfatizam as ações do Mo-vimento Democrático Brasileiro (MDB), dos familiares de mortos e desaparecidos e o surgi-mento do Movimento Feminino pela Anistia nos debates que ocorreram no plano nacional. Contudo, o foco central é sempre nos debates e discussões criados no espaço institucional a partir da segunda metade de década de 1970 (Mezarobba, 2006).Neste artigo, por conta da natureza das fontes – o relatório e fotografias do aparato re-pressivo – pretendendo utilizar os trabalhos produzidos principalmente por Heloísa Amélia Grecco, que representa a terceira corrente interpretativa.A autora defende que o movimento pela anistia ampla, geral e irrestrita rompeu com essa lógica do controle institucional.