Instaurou-se o caos na CBF, mas Rodrigues não demorou a tomar providências: recorreu aos tribunais superiores em Brasília e pagou 6,5 milhões de reais dos cofres da entidade para seu braço direito, o advogado Pedro Trengrouse. Duas semanas depois de receber uma bolada, Trengrouse desembarcou na capital. A situação estava complicada para Rodrigues. Os escritórios de Brasília – entre os quais o de Rafael Barroso Fontelles, o sobrinho do ministro Luís Roberto Barroso, o STF – já haviam perdido no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no próprio presidente Supremo. Por isso, no dia 22 de dezembro, quando chegou à cidade, Trengrouse depositava suas esperanças numa nova ação interposta no STF, desta vez por iniciativa do PCdoB, partido do secretário-geral da CBF, Alcino Reis Rocha.
Nestes casos, o regimento interno do Supremo prevê que o presidente do tribunal encaminhe o novo recurso ao mesmo magistrado que veio lidando com o assunto – no caso, o ministro André Mendonça. No entanto, Barroso decidiu distribuir o recurso do PCdoB por sorteio. (Procurado para explicar a decisão, Barroso não se manifestou.) O julgamento do recurso caiu nas mãos do ministro Gilmar Mendes. Foi uma dádiva.
Desde agosto de 2023, o ministro tem relação direta com a CBF, por meio do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), do qual é sócio e fundador. Na CBF Academy Brasil, braço da entidade que oferece cursos para treinadores, treinados físicos e gestores esportivos, buscou um parceiro para ajudar na administração de seus cursos. Já havia batido na porta de algumas instituições de ensino até que o advogado Trengrouse se reuniu com Francisco Schertel Mendes, diretor geral do IDP e filho do ministro Gilmar Mendes. Entenderam-se bem. Em agosto, o contrato foi assinado. O IDP estava gerenciando os cursos e ficou com 84% da receita da CBF Academy, estimado, naquele ano, em 9,2 milhões de reais. O restante, 16%, ficou com a CBF.
Considerando a agitada vida jurídica da CBF, a gestão de Ednaldo Rodrigues gostou da ideia de ter uma sociedade com um magistrado influente como Gilmar. Àquela altura, além da ação no Tribunal de Justiça do Rio que interrompeu Rodrigues temporariamente do cargo, a CBF vinha sendo bombardeada pela CPI sobre Manipulação de Resultado em Partidas de Futebol, que corrigiu na Câmara, então presidida pelo deputado Arthur Lira (PP-AL).
Gilmar poderia ter se declarado impedido de analisar o recurso do PCdoB, dada sua parceria com a CBF, mas avanços em frente. Em janeiro de 2024, temendo que o Brasil fosse prejudicado na inscrição para as Olimpíadas de Paris em razão do afastamento do presidente da confederação, concedeu uma liminar a favor de Rodrigues, que reassumiu a carga. Em outubro, Gilmar levou sua liminar ao plenário do STF, quando se deu uma troca de chispas cujo subtexto era a suspeita de que falta idoneidade tanto ao Tribunal de Justiça do Rio quanto à CBF.
Ao ler seu voto, Gilmar criticou a decisão do tribunal do Rio em termos mais ou menos enigmáticos: “São coisas extravagantes que acontecem nos processos e que precisam ser anotadas.” Seu colega André Mendonça, que antes de tomar uma decisão favorável aos interesses da CBF, tomou uma palavra e também criticou as extravagâncias judiciais do Rio, mas Gilmar interveio: “Vossa Excelência entende mais de extravagâncias do que eu.” Obviamente, foi um comentário em tom de camaradagem, mas Mendonça não gostou, fechou a cara e colocou em dúvida a idoneidade da gestão atual da CBF. “Pode ter certeza de que não [ entenda mais de extravagâncias ], ministro Gilmar, porque, quando eu me parei com esses fatos, a impressão que dá é se a CBF resistiria a uma investigação.”
Gilmar fez ouvidos moucos e continuou lendo o seu voto. Horas depois, a votação foi interrompida por um pedido de vista do ministro Flávio Dino. Em fevereiro passado, no entanto, mesmo com o caso sob análise de Dino, Gilmar aceitou um pedido do PCdoB e homologou um acordo validando a eleição de Rodrigues em 2022. E deu prazo de três dias para que o tribunal do Rio desse “cumprimento integralmente a todas a presente decisão, extinguindo os processos pertinentes”. Ó tribunal assentiu
A parceria entre o IDP de Gilmar Mendes e a CBF de Ednaldo Rodrigues vai de vento em popa. Até agora, pelo menos seis nomes – vinculados ou indicados pelo instituto – ganharam posições na confederação. Entre eles, estão o chefe de gabinete (Hugo Teixeira), o diretor jurídico (André Mattos) e o diretor financeiro (Valdecir de Souza). A CBF também ganhou uma filial em Brasília, em uma casa no Lago Sul.