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CONHECENDO O MUSEU DO HOMEM DO CURIMATAÚ, EM CUITÉ-PB

CONHECENDO O MUSEU DO HOMEM DO CURIMATAÚ, EM CUITÉ-PB

Publicada em 03/12/24 às 19:27h - 5 visualizações

por TOK DE HISTÓRIA


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 (Foto: TOK DE HISTÓRIA)
Entrada do Museu do Homem do Curimataú

E UMA PEQUENA HISTÓRIA ENVOLVENDO O CANGAÇO

Recentemente tive a oportunidade de seguir viagem através da Microrregião do Curimataú Ocidental, no Estado da Paraíba, onde passei pelo município de Cuité. Com uma população que atualmente supera os 26.000 habitantes Cuité tem muita história, tendo sido fundado a 245 anos, onde sempre possuiu uma ligação muito forte e intensa com o Seridó Potiguar.

Não tinha intenção de parar, mas, ao tomar o caminho que segue para a cidade de Campina Grande, me deparei com uma interessante edificação pintada de verde, que me lembrou a fachada de um cinema antigo. No alto do frontão da entrada estava escrito na vertical “Cuité Clube”, em um padrão de letras típicos da década de 1930. Ao lado da porta principal vi uma placa igual as existentes em obras inauguradas por políticos, onde estava escrito “Museu do Homem do Curimataú”.  Aquilo me chamou atenção e, como estava com o dia livre, decidi conhecer o local.

Salão principal
Salão principal

Fui muito bem recepcionado por José André Santos, que além de trabalhar no local se dedica a poesia. Ele me contou que o Museu foi inaugurado em 11 de março de 2010 e ali funcionou um clube social que marcou época na cidade. Infelizmente este se encontrava abandonado, depois que os sócios fundadores faleceram e os seus herdeiros não continuaram com o clube. Foi então que a Universidade Federal de Campina Grande-UFCG decidiu recuperar o imóvel. Depois da recuperação foi feita a pesquisa e busca de objetos para a sua composição. Consta que o Museu do Homem do Curimataú é um órgão ligado ao Centro de Educação e Saúde da UFCG e é fruto de um projeto aprovado pelo IPHAN, disponibilizando um acervo material que retrata e preserva a memória da região.

Material do Boi de Reis de Manoel Birico. Hoje esta manifestação folclórica não é mais executada em Cuitá, mas vale pela preservação dos materiais utilizados
Material do Boi de Reis de Manoel Birico. Hoje esta manifestação folclórica não é mais executada em Cuitá, mas vale pela preservação dos materiais utilizados

O acervo ocupa grande parte do salão principal do antigo Cuité Clube, com biombos dividindo as peças apresentadas através de áreas temáticas distintas. André me comentou que o Museu é focado principalmente na preservação da memória dos hábitos e fazeres do povo de Cuité. Ali os estudantes realizam muitas aulas de campo voltadas ao resgate das origens com uma verdadeira volta ao passado e uma reflexão da atualidade. Para André o Museu se tornou um ponto de cultura, com apresentação de palestras, cantorias de violas, apresentações de outros ritmos musicais.

Um
Um “chincho”, ou engenho, de fazer queijos

Em meio ao deleite de conhecer peças que eram utilizadas nas antigas fazendas da região, perguntei a André sobre o ocorrência de fatos ligados ao fenômeno do cangaço em Cuité. Ele me respondeu que neste aspecto, para sorte dos antigos moradores da cidade, o cangaço não foi muito ativo em sua região. Informou que na década de 1940 o ex-cangaceiro Antônio Silvino passou pela cidade e se encontrou com o poeta popular Zé de Luzia, este ainda vivo e lúcido, que poderia narrar detalhes deste encontro. Entretanto André me comentou que sabia da história de um parente que se tornou cangaceiro.

Artigos de caça. A arma de fogo de percurção é a famosa Lazarina, o arco é um Bodoque. Já a pele na extrema esquerda da foto é de um gato maracajá e a longa pele estirada na parede, com 2,73 metros, é de uma jiboia morta no Sítio Alegre, zona rural de Cuité, na década de 1940.
Artigos de caça. A arma de fogo de percussão é a famosa Lazarina, o arco é um Bodoque. Já a pele na extrema esquerda da foto é de um gato maracajá e a longa pele estirada na parede, com 2,73 metros, é de uma jiboia morta no Sítio Alegre, zona rural de Cuité, na década de 1940.

André, que também é trombonista e vocalista de uma orquestra criada no Museu, é sobrinho neto de Joaquim Taveira, que era natural da cidade paraibana de Araruna, tendo nascido em terras pertencentes a José Gomes Maranhão e Maria Júlia Maranhão, que depois passaram a serem administradas pelo filho Benjamim Gomes Maranhão, mais conhecido como ”Beja Maranhão”. Este último é o pai de José Maranhão, ex-governador da Paraíba.

O primeiro rádio da cidade de Cuité. André me comentou que a chegada deste aparelho movimentou de tal maneira a cidade, que pessoas pagavam para escutar o serviço em português da rádio BBC de Londres
O primeiro rádio da cidade de Cuité. André me comentou que a chegada deste aparelho movimentou de tal maneira a região, que pessoas pagavam para escutar o serviço em português da rádio BBC de Londres

Dando uma passada rápida em antigos documentos da região de Araruna, consta que em 1920 José Gomes Maranhão era proprietário  do Sítio Baixio, ou Baixios, mas não tivemos como comprovar se Joaquim Taveira nasceu neste local.

Mas voltando ao relato de André, ele comentou que a memória de sua família aponta que Taveira entrou no cangaço apenas pelo desejo de se aventurar, de sair pelo mundo vestido e armado como um cangaceiro. Infelizmente sua família perdeu todo o contato com Joaquim Taveira durante este tempo e nada soube de suas aventuras e desventuras no cangaço, nem onde esteve, nem com quem andou ou combateu e ninguém sabia o seu destino.

Mas na década de 1950, uma irmã de Joaquim, avó de André, chamada Veneranda Taveira, mais conhecida como Neranda, casualmente se encontrou com o desaparecido irmão em uma feira. Sobre a cidade onde ficava localizada esta feira, Neranda fez questão de se calar para preservar o irmão. Em meio a alegria do reencontro, Joaquim informou que no cangaço era conhecido pelo apelido de “Jurubeba” e que esteve principalmente nos sertões da Bahia, onde afirmou que fez parte do bando de Ângelo Roque.

Ângelo Roque na década de 1970. Homem livre e exemplar funcionário público em Salvador
Ângelo Roque na década de 1970. Homem livre e exemplar funcionário público em Salvador

Este era Ângelo Roque da Costa, conhecido como Anjo Roque, ou Labareda. Nasceu em 1910 no lugar Jatobá, depois pertencente ao município de Tacaratu, em Pernambuco. Consta que entrou para o cangaço após matar um soldado de polícia que se meteu a conquistador com uma irmã sua. Entrou para o cangaço em 1928, quando ocorreu seu primeiro encontro com Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Tinha bando próprio, mas frequentemente reunia seu grupo ao do grande chefe cangaceiro, era considerado valente e foi figura importante dentro da história do cangaceirismo. Se entregou a polícia quase dois anos após a morte de Lampião e passou algum tempo na cadeia em Salvador. Ao sair passou a trabalhar como um pacato funcionário público do Conselho Penitenciário, graças ao apoio do advogado, escritor e pesquisador Estácio Lima.

Notícia do jornal carioca
Notícia do jornal carioca A Noite, reproduzida na imprensa potiguar, apontando a detenção de Ângelo Roque e seus bando, em abril de 1940

Se realmente Joaquim Taveira fez parte do bando de Ângelo Roque, certamente deixou a vida de cangaceiro antes de abril de 1940, pois não estava entre os cangaceiros que se entregaram as autoridades policiais baianas. Além do chefe Ângelo Roque  foram detidas quatro mulheres que estavam no grupo, bem como Benício Alves dos Santos, o cangaceiro Saracura, Manoel Raimundo da Silva, o Jandaia, Antônio Pedro da Silva, Patativa e o cangaceiro conhecido pela alcunha de Deus Te Guie, cujo nome verdadeiro era Domingos Gregório.

André e a moeda que teria estado presa ao chapéu de couro do cangaceiro
André e a moeda que teria estado presa ao chapéu de couro do cangaceiro “Jurubeba”

Em relação ao encontro de Joaquim Taveira e a sua irmã Neranda, este não quis entrar em detalhes de sua vida. Mas lhe entregou três objetos desta época; uma pequena arma branca, um breviário de Santo Antônio de Lisboa, presente do próprio Ângelo Roque e uma moeda vazada, que o pretenso cangaceiro “Jurubeba” utilizava no seu chapéu. Estes objetos foram doados pelo próprio André e se encontram em exposição no Museu do Homem do Curimataú.

André comentou que a narrativa sobre a história deste cangaceiro é parte da tradição oral de seus familiares. Que durante muitos anos eles tinham vergonha e medo de narrar esta situação. Para André, mesmo que não existam meios de confirmação da informações aqui narradas, agora os tempos são outros e ele narra esta tradição oral com desenvoltura e tranquilidade. Não tenho certeza, mas talvez isso ocorra devido a existência deste museu.

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Saí do Museu do Homem do Curimataú com a convicção que a existência de outros museus em cidades nordestinas é algo extremamente importante para que as novas gerações conheçam mais sobre o seu passado e com isso elevem a auto estima de serem naturais de seus locais. Entretanto estes possíveis museus não podem ser apenas um local de guarda de objetos antigos, de “coisas velhas”. Eles devem existir com a perspectiva de se tornarem locais de desenvolvimento e manutenção da cultura local e de troca de informações históricas.

Seguindo pelas estradas
Seguindo pelas estradas
TOK DE HISTÓRIA



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