Em 19 de novembro de 2024, a Polícia Federal deflagrou a operação “Contragolpe”, com o objetivo de desarticular uma suposta organização criminosa formada por militares e um policial federal. Segundo a PF, o grupo teria planejado um golpe de Estado após as eleições de 2022, buscando impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin e restringir a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). Entre as ações atribuídas ao grupo está o chamado “Punhal Verde e Amarelo”, que supostamente incluía o assassinato de Lula e Alckmin, e a prisão ou execução do ministro Alexandre de Moraes.
A operação resultou na prisão de cinco pessoas, incluindo quatro militares das Forças Especiais do Exército, apelidados de “Kids Pretos”. Importante destacar que este termo é incorreto. Kid Preto é tradicionalmente utilizado para se referir ao comandante das Forças de Operações Especiais, não aos demais integrantes. Ou seja, era o apelido que se dava a uma pessoa que ocupava uma posição específica. As prisões dos militares foram autorizadas pelo próprio Alexandre de Moraes, responsável por centralizar e conduzir diversas frentes investigativas relacionadas aos atos antidemocráticos ocorridos durante e após o processo eleitoral de 2022.
Importante destacar: há indícios de que houve, de fato, planejamentos relacionados a um golpe de Estado, ou como queiram chamar. Embora eu compreenda a motivação de quem defendeu ou apoiou essa ideia, especialmente diante das irregularidades no pleito de 2022 e da eleição de uma pessoa condenada por corrupção, nunca apoiei a possibilidade de intervenção militar.
Dito isso, é essencial separar as coisas. Caso os envolvidos tenham cometido crimes, eles devem responder por eles de acordo com a lei, em julgamentos justos. No entanto, isso não é o que estamos vendo. Além disso, é crucial distinguir as vítimas dos eventos de 8 de janeiro de quaisquer atos preparatórios realizados por militares de alta patente.
Ao longo do relatório, a PF faz inferências baseadas em suposições frágeis e tenta estabelecer conexões hipotéticas entre os investigados, sem embasamento sólido. Embora deduções sejam ferramentas válidas em investigações, elas não podem servir como base para conclusões categóricas, como as apresentadas no documento. A investigação recorre constantemente a termos como “provavelmente” e “possivelmente” especulações que são usadas para justificar pedidos de prisão.
Embora o relatório da Polícia Federal tente apresentar um cenário de conspiração organizada, ele carece de provas concretas e conexões claras entre os investigados e os supostos atos golpistas. É fato que Alexandre de Moraes foi monitorado, mas isso, por si só, não comprova a existência de uma conspiração para assassiná-lo. Ainda que juristas, inclusive de esquerda, tenham apontado que cogitações ou atos preparatórios não configuram crime no âmbito do Direito Penal, os documentos apresentados pela PF não trazem qualquer menção a preparativos concretos, planos detalhados ou ordens diretas que sustentem a narrativa de um plano para eliminar o ministro. Esta narrativa construída pela investigação se apoia fortemente em interpretações subjetivas, suposições vagas e correlações circunstanciais, o que enfraquece a credibilidade do caso.
O que me parece é que houve uma aceleração na divulgação desta investigação devido à eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, algo que colocou um alvo em Alexandre de Moraes, além de alimentar esperanças de anistia para os presos do 8 de janeiro e restabelecimento dos direitos políticos de Jair Bolsonaro. Na tentativa de antecipar ações que reforcem a narrativa de combate a supostas ameaças à democracia, a PF apresentou um trabalho apressado e cheio de lacunas. Essa pressa comprometeu a qualidade da investigação, resultando em um relatório que selecionou cuidadosamente informações convenientes enquanto ignorou outras que poderiam contextualizar ou enfraquecer a narrativa proposta.
É notória a tentativa de vincular Alexandre de Moraes como alvo central. O relatório utiliza interpretações criativas para justificar sua inclusão no caso, mas não apresenta elementos concretos que demonstrem uma ameaça real ou iminente contra o ministro. Curiosamente, Moraes não é citado formalmente como testemunha, o que seria um passo lógico em uma investigação que o apresenta como vítima. Em vez disso, a Polícia Federal utiliza dados públicos sobre seus deslocamentos e atividades, possivelmente para contornar o problema de ele ser simultaneamente a vítima e o juiz do caso. Essa dualidade já foi amplamente criticada por juristas e especialistas como uma grave violação do devido processo legal e da imparcialidade judicial, ferindo princípios constitucionais básicos. Até a Folha de São Paulo destacou a ironia de Moraes se citar 44 vezes em sua decisão sobre o caso, e em terceira pessoa.
Além disso, a operação ocorre no contexto do Inquérito das Milícias Digitais (INQ 4874), instaurado por Alexandre de Moraes em julho de 2021 como desdobramento dos inquéritos das Fake News e dos Atos Antidemocráticos. Para manter o controle sobre todas as operações, Moraes reúne questões distintas e desconexas, como a fraude no cartão de vacinação de Bolsonaro, o caso das joias sauditas e ataques às vacinas contra a Covid-19. E já há dezenas, senão centenas, de irregularidades apontadas nessas investigações e operações.
Hoje as instituições têm sido lenientes com as ações de Moraes, usando-o como bucha de canhão. Mas, e quando se intensificar a pressão internacional diante de tantas violações dos direitos humanos, especialmente nesta nova era Trump/Musk? O sistema, então, irá cuspí-lo como um caroço de laranja.
Resumi a investigação da Polícia Federal em três eixos principais. Cada um deles será detalhado, destacando as alegações e as fragilidades da narrativa apresentada pela PF:
O Grupo “Copa 2022”;
O Documento “Punhal Verde e Amarelo”;
A Planilha “Desenho Op Luneta.xlsx”.
Caso você queira acompanhar utilizando os documentos originais, acesse por aqui.
O primeiro ponto central da investigação da Polícia Federal é a existência de um grupo no aplicativo Signal, denominado “Copa 2022”, descrito como o núcleo de planejamento operacional de ações clandestinas para um suposto golpe de Estado. Formado por seis militares das Forças Especiais do Exército, agora denominados como “Kids Pretos”, o grupo teria realizado uma operação de vigilância ao ministro Alexandre de Moraes em Brasília no dia 15 de dezembro de 2022. Durante essa ação, o grupo teria mapeado itinerários do ministro com o objetivo de assassiná-lo ou sequestrá-lo, mas a operação foi abortada por decisão dos próprios integrantes.
Segundo a PF, “as mensagens trocadas entre os integrantes do grupo ‘Copa 2022’ demonstram que os investigados estavam em campo, divididos em locais específicos para, possivelmente, executar ações com o objetivo de prender o ministro Alexandre de Moraes”.
O grupo foi estruturado com cuidado para manter o anonimato de seus membros. Semelhante ao seriado La Casa de Papel da Netflix, os integrantes receberam codinomes de países, como “Alemanha", "Argentina”, “Brasil”, “Áustria”, “Gana” e “Japão”. Além disso, utilizaram telefones registrados em nome de terceiros, muitos já falecidos, e configuraram as mensagens no Signal para autodestruição após um período. A criação do grupo foi precedida por uma reunião estratégica em 12 de novembro de 2022, na residência do General Walter Souza Braga Netto. Participaram dessa reunião:
Tenente-Coronel Mauro Cesar Cid;
Major Rafael Martins de Oliveira (“Joe”);
Tenente-Coronel Ferreira Lima.
Importante destacar que Mauro Cid e Marcelo Câmara, coronel do Exército e ex-assessor de Jair Bolsonaro, já monitoravam o deslocamento de Alexandre de Moraes antes da diplomação presidencial de 12 de dezembro de 2022. Mensagens entre eles, analisadas por peritos, revelaram a identificação de rotas específicas, como o "trecho cinco", usado pelo ministro, e detalhes logísticos do evento. As investigações também apontaram que Câmara e Cid usavam o codinome “Professora” para se referir a Moraes e que acompanhavam seus deslocamentos entre Brasília e São Paulo.
Não se sabe o que foi discutido nesta reunião na residência de Braga Netto, mas dois dias depois, em 14 de novembro de 2022, Joe questionou Mauro Cid sobre possíveis novidades relacionadas ao tema discutido no encontro. Durante a conversa, Cid solicitou que Rafael enviasse uma estimativa de gastos, incluindo alimentação, hospedagem e transporte. Cid sugeriu um orçamento de 100 mil reais, ao que Rafael respondeu que seria suficiente, girando em torno desse valor. Em 15 de novembro, Rafael enviou um documento (não recuperado), intitulado "Copa 2022". Este mesmo nome foi utilizado posteriormente para denominar o grupo no aplicativo Signal, criado no dia 15 de dezembro de 2022.
Na data mencionada, o grupo esteve posicionado em pontos estratégicos de Brasília. As mensagens recuperadas pela PF indicam que às 20h33 os integrantes já estavam em suas posições e prontos para realizar uma ação cujo objetivo permanece não especificado. No entanto, às 20h57, o operador "teixeiralafaiete230" (identificado pela PF como o líder do grupo, também associado ao codinome "Alemanha") compartilhou no grupo uma notícia do Portal Metrópoles. A manchete informava que o Supremo Tribunal Federal havia adiado a votação do orçamento secreto para a segunda-feira seguinte. Os ministros haviam encerrado as atividades do plenário no início da noite.
Com a mudança de cenário, "teixeiralafaiete230" tomou a decisão de abortar a operação. Às 20h57, ele enviou a mensagem determinando a retirada: "Abortar... Áustria... volta para local de desembarque... estamos aqui ainda.” A partir desse momento, os envolvidos iniciaram manobras de extração e evasão. "Teixeiralafaiete230" deu orientações adicionais, incluindo instruções para que "Gana" prosseguisse para resgate junto a "Japão", enquanto "Brasil" já teria seguido para o "ponto de resgate". Houve ainda a ordem para deixar uma motocicleta no local onde havia sido estacionada, removendo a bateria e cobrindo-a com uma capa.
Um fato curioso que merece análise detalhada: após a ordem de retirada, o membro do grupo identificado como "Gana" percorreu a pé um longo trajeto pela Asa Sul, em Brasília, por não encontrar um táxi. Após caminhar por vários quilômetros, Gana chegou à SQS 306, no Supermercado Comper, às 21h33, 34 minutos depois do abortamento da missão, que foi ordenado às 20h59. De lá, continuou a pé até o Shopping Pátio Brasil, onde foi resgatado por Rafael de Oliveira.
Segundo a investigação, a localização inicial de "Gana" coincidiria com a residência funcional do ministro Alexandre de Moraes, na SQS 312. Para comprovar essa tese, a PF elaborou uma simulação usando o Google Maps. Eles calcularam que uma caminhada da residência do ministro, na SQS 312 Bloco K, até o Supermercado Comper, pela via W3, levaria 30 minutos, num total de 2,1 quilômetros. Para a PF, essa movimentação indicaria um plano premeditado para abordar o ministro.
Essa conclusão, porém, é absurda. Refizemos a simulação no Google Maps e obtivemos resultados diferentes: 36 minutos e 2,6 quilômetros para o mesmo trajeto pela via W3 Sul. Essa discrepância, embora pequena, levanta questões sobre a confiabilidade de ferramentas como o Google Maps para sustentar uma acusação desse tipo. Essas simulações não consideram condições específicas da via no dia, variações no ritmo de caminhada de cada indivíduo ou mesmo possíveis desvios feitos por Gana.
Ademais, a Asa Sul é a área mais densamente povoada de Brasília, com 120 mil habitantes e alta concentração de residências funcionais de autoridades públicas. Não há evidências concretas de que “Gana” tenha partido da SQS 312. Ele poderia estar em qualquer outro ponto do bairro, o que torna arbitrária a conclusão de que a caminhada tinha ligação direta com a residência de Alexandre de Moraes.
O grupo “Copa 2022” utilizou táticas avançadas de anonimização e operou com um nível elevado de sigilo. É possível afirmar que seus membros podem ter cometido crimes como falsidade ideológica (pelo uso de telefones registrados em nome de terceiros) e possivelmente associação criminosa, mas as evidências não sustentam a acusação de tentativa de golpe de Estado.
As provas apresentadas pela PF são frágeis no que diz respeito às intenções concretas contra Alexandre de Moraes. A operação de 15 de dezembro, descrita como o evento central, foi abortada antes de qualquer ação prática, e as movimentações de “Gana” não possuem ligação direta comprovada com a residência do ministro.
A precariedade da ação, a desorganização evidente e os improvisos registrados nas mensagens trocadas pelos integrantes não sugerem que o grupo tivesse capacidade ou coordenação suficiente para concretizar qualquer plano contra Moraes ou executar um golpe de Estado. Além disso, não há indícios de que os integrantes do grupo portassem armamentos ou equipamentos táticos.
O segundo ponto central da investigação da Polícia Federal é o documento denominado “Punhal Verde e Amarelo”, apontado como a principal prova de que havia um plano para assassinar Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes. O arquivo foi encontrado em um HD associado ao general da reserva Mário Fernandes e é descrito como um planejamento detalhado para ações clandestinas voltadas ao sequestro ou homicídio das autoridades.
O “Punhal Verde e Amarelo” descreve, em tópicos, as etapas de um planejamento clandestino, incluindo:
Reconhecimento Operacional
Levantamento detalhado de rotas, horários e rotina de segurança das autoridades em Brasília e São Paulo.
Preparação e Execução
Indicação dos recursos necessários para a operação, como armamentos, veículos e explosivos.
Planejamento detalhado de como as ações seriam conduzidas, incluindo métodos de execução e a possibilidade de mortes entre os operadores.
Codinomes e Alvos
O alvo principal não é indicado, mas descreve-se uma pessoa com alto grau de segurança. Outros três alvos possíveis, com segurança pessoal menos restritiva, são apresentados com codinomes. Suas descrições permitiram a identificação:
Jeca (Lula): “Devido à vulnerabilidade de sua saúde e frequência a hospitais, seria possível usar envenenamento ou substâncias químicas/medicamentos para causar um colapso orgânico. Sua neutralização abalaria a chapa vencedora, podendo colocá-la, conforme interpretação da Lei Eleitoral ou manobras conduzidas pelos Três Poderes, sob a tutela do PSDB.”
Joca (Alckmin): “Considerando a inviabilidade do '01 eleito' por questões de saúde, sua neutralização extinguiria a chapa vencedora. Não se espera grande comoção nacional como consequência dessa ação.”
Juca: “Por ser a 'eminência parda' do '01' e de lideranças do futuro governo, sua neutralização desarticularia os planos da esquerda mais radical. Também não se espera grande comoção nacional como reflexo dessa ação.”
Enquanto a imprensa especula que “Juca” seria Flávio Dino, é mais provável que o codinome se refira a José Dirceu, dado seu papel como uma figura de influência histórica no PT. Dino, à época, pertencia ao PSB, o que não o coloca como uma "eminência parda" do partido.
A Polícia Federal tenta correlacionar o documento ao grupo “Copa 2022”, destacando semelhanças no modus operandi, como:
A necessidade de reconhecimento e levantamento de rotina entre São Paulo e Brasília.
A quantidade de operadores (seis pessoas).
O uso de SIM cards descartáveis da operadora TIM, com padrões idênticos de comunicação.
Contudo, a única ligação concreta apresentada é o fato de que Mário Fernandes, Mauro Cid e Rafael Martins de Oliveira estavam no Palácio do Planalto no mesmo período em que o documento foi supostamente impresso. Essa coincidência, entretanto, pode ser facilmente explicada pelos cargos que ocupavam: Mário Fernandes era Secretário-Executivo da Secretaria-Geral da Presidência, e Mauro Cid era ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro. Assim, a presença de ambos no local era natural e esperada.
Os metadados indicam que o documento foi:
Criado em 9 de novembro de 2022, às 9h23;
Modificado pela última vez no mesmo dia, às 17h05;
Impresso quatro minutos após a última modificação, às 17h09, por um usuário identificado como “mariof”, associado ao general Mário Fernandes.
Logo após a impressão, Mário Fernandes registrou entrada no Palácio da Alvorada às 17h48, sugerindo que o documento foi entregue pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro. No mesmo período, dados de antenas de telefonia mostram que os aparelhos de Mauro Cid e Rafael Martins de Oliveira estavam conectados a torres que cobriam o Palácio do Planalto.
O primeiro documento, criado em 16 de dezembro de 2022, às 10h43, foi modificado no mesmo dia, às 14h06. Ele está formatado com o timbre do Brasão de Armas do Brasil, e Mario Fernandes é indicado como último autor. O segundo, intitulado "HD_2022b.docx", apresenta um conteúdo semelhante, mas simplificado, com menos nomes e um fundo amarelo. Foi gerado em 16 de dezembro de 2022, às 11h30, e modificado às 13h31 do mesmo dia.
De acordo com a investigação, a PF identificou evidências de que os documentos foram impressos no Palácio do Planalto. A sequência dos eventos reforça essa possibilidade:
Às 14h06, o arquivo "HD_2022a.doc" foi modificado;
Às 14h14, Mario Fernandes imprimiu um arquivo chamado "Gab_Crise_GSI.doc", com quatro páginas;
Minutos depois, o Coronel Reginaldo Vieira de Abreu, chefe de gabinete de Fernandes, imprimiu seis cópias, cada uma com 30 páginas. Para os investigadores, a quantidade de cópias sugere que o material foi preparado para distribuição em uma reunião.
No dia seguinte, em 17 de dezembro de 2022, Mario Fernandes foi registrado como visitante do Palácio da Alvorada, onde se encontrou com o então presidente Jair Bolsonaro. Outras visitas ao local no mesmo dia incluíram figuras como o ministro André Mendonça, o general Augusto Heleno, o general Braga Netto e o assessor especial Felipe Martins.
Não há provas de que o documento “Punhal Verde e Amarelo” e o arquivo “Plj.docx” sejam o mesmo. A única semelhança apresentada é o número de páginas (três), o que é insuficiente para estabelecer uma conexão definitiva. Além disso, não há evidências de que o documento tenha sido entregue ao presidente Jair Bolsonaro ou ao major Rafael Martins de Oliveira (“Joe”), nem de que Mário Fernandes e Rafael tenham se encontrado no dia em que o documento foi impresso. A presença de Mário Fernandes e Mauro Cid no Palácio do Planalto não constitui prova de envolvimento em um plano golpista, considerando suas funções oficiais.
Mais importante, o documento “Punhal Verde e Amarelo” não menciona Alexandre de Moraes em nenhum momento. A tentativa de vinculá-lo a um planejamento de sequestro ou homicídio do ministro carece de fundamentos concretos. A Polícia Federal afirma, em seu relatório:
“O contexto de emprego de armamentos extremamente letais, bem como de uso de artefato explosivo ou envenenamento revelam que o grupo investigado trabalhava com a possibilidade de assassinato do ministro Alexandre de Moraes.”
Essa afirmação é claramente especulativa e sem qualquer base probatória. Não há qualquer elemento no documento que justifique tal conclusão.
Não há qualquer indício concreto de que o documento “Punhal Verde e Amarelo” tenha relação com o grupo “Copa 2022”, além de coincidências operacionais genéricas, como o número de operadores ou o uso de SIM cards descartáveis. Além disso, o uso de codinomes e padrões de comunicação não comprova que o documento foi operacionalizado ou que havia capacidade para executar as ações planejadas. A similaridade entre o documento e os eventos do grupo “Copa 2022” pode ser interpretada como uma sobreposição de métodos comuns, sem vínculo direto.
Embora a existência de um documento que descreva um planejamento violento desse tipo seja preocupante e mereça críticas, não há provas de que o documento indicaria um plano para assassinar ou sequestrar Alexandre de Moraes. Por último, as duas minutas do Gabinete Institucional de Gestão da Crise também não falam sobre Alexandre de Moraes ou assassinatos.
O último ponto central da investigação da Polícia Federal é a planilha intitulada “Desenho Op Luneta.xlsx”, localizada em um pendrive apreendido com o Tenente-Coronel Hélio Ferreira Lima, durante a operação "Tempus Veritatis", deflagrada em 8 de fevereiro de 2024.
A planilha, que possui mais de 200 linhas, é a única referência direta ao ministro Alexandre de Moraes, ainda que breve. Em um trecho da fase intitulada “Modelando o Ambiente”, três tarefas são descritas como essenciais, uma delas sendo “neutralizar a capacidade de atuação do MIN AM”. A Polícia Federal interpretou que a sigla se refere ao ministro Alexandre de Moraes. O documento não apresenta mais detalhes de como essa “neutralização” de Moraes seria realizada.
Embora o arquivo estivesse em posse de Hélio Ferreira Lima, os metadados identificam como autor final um usuário chamado "ST Vargas", cuja identidade não foi descoberta.
A "Desenho Op Luneta.xlsx" é descrita como um planejamento estratégico detalhado, estruturado em três colunas — FATO, DEDUÇÃO e CONCLUSÃO —, abordando aspectos logísticos, políticos, militares e econômicos relacionados a um suposto golpe de Estado. O objetivo declarado seria “restabelecer a lei e a ordem por meio da retomada da legalidade, estabilidade institucional e segurança jurídica”.
Os principais pontos incluem:
Investigação e publicação de relatórios de irregularidades no processo eleitoral.
Abertura de um inquérito sobre o pleito de 2022.
Transparência total no novo processo eleitoral.
Marcações de novas eleições presidenciais.
O texto menciona repetidamente fraudes no pleito de 2022 e reforça a necessidade de uma investigação urgente para embasar as ações.
Planejamento de Operações
Reconhecimento detalhado de rotas, segurança e rotina de autoridades em Brasília e São Paulo.
Identificação de alvos estratégicos para contenção de resistência institucional.
Núcleo de Controle
Proposta de criação de um Gabinete de Crise, formado por militares e líderes políticos, que assumiria a administração do país após a ruptura institucional.
Além da apreensão da planilha, a Polícia Federal destacou conexões entre Hélio Ferreira Lima e outros investigados:
Reunião em 12 de novembro de 2022: Hélio participou de uma reunião na residência do General Braga Netto, na SQS 112, em Brasília, junto com Mauro Cid e Rafael Martins de Oliveira. A reunião teria discutido estratégias alinhadas aos pontos mencionados na planilha.
Atividades Conjuntas:
Em 21 de novembro de 2022, Hélio e Rafael estiveram juntos em Goiânia antes de se deslocarem para Brasília.
Em 22 de novembro de 2022, ambos foram registrados na região do Sudoeste, próximo ao Parque da Cidade, permanecendo no local por várias horas.
Em 23 de novembro de 2022, Ferreira Lima foi localizado próximo ao STF, enquanto Rafael esteve nas proximidades da residência funcional de Alexandre de Moraes.
A Polícia Federal interpreta essas movimentações como indicativas de atos de monitoramento contra Alexandre de Moraes, possivelmente para cumprir ordens de prisão que seriam autorizadas por Jair Bolsonaro em caso de ruptura institucional.
A tese de que a planilha "Desenho Op Luneta.xlsx" foi utilizada como base para a operação “Copa 2022” e para a elaboração do documento “Punhal Verde e Amarelo” apresenta diversos problemas:
Não há comprovação de que Hélio Ferreira Lima tenha criado, lido, estudado ou sequer utilizado o documento. Os metadados indicam como autor final um usuário desconhecido, "ST Vargas". Tampouco há evidências de que Hélio tenha compartilhado o arquivo com outros envolvidos.
Não há evidências de que qualquer item da planilha tenha sido seguido ou executado pelos integrantes do grupo “Copa 2022” ou do plano “Punhal Verde e Amarelo”.
A única menção ao ministro no documento é a tarefa de “neutralizar a capacidade de atuação do MIN AM”. Essa referência não implica tentativa de assassinato, como sugerido pela Polícia Federal. A interpretação de que o termo "neutralizar" indicaria violência é especulativa, especialmente considerando a ausência de detalhes operacionais que sustentem essa hipótese.
A planilha enfatiza a necessidade de “eleições limpas” e detalha etapas para investigar e divulgar supostas fraudes no pleito de 2022, não um plano de ruptura violenta contra as instituições. O restante do conteúdo apresenta narrativas genéricas, como “restabelecer a lei e a ordem”.
Embora registros de localização mostrem coincidências nos trajetos de Hélio Ferreira Lima e Rafael de Oliveira, incluindo passagens próximas ao STF e à residência funcional de Alexandre de Moraes, essas movimentações não são suficientes para provar que monitoravam o ministro com o objetivo de cumprir ordens de prisão.
Por fim, é importante ressaltar que não tivemos acesso à íntegra da planilha, apenas aos trechos fornecidos pela Polícia Federal.
A Investigacao.
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