O regime chavista deu mais um passo na sua estratégia de conferir verniz de legitimidade ao resultado contestado da última eleição presidencial, na qual Nicolás Maduro foi proclamado vencedor pelas autoridades eleitorais associadas ao governo.
Nesta quinta-feira (22/08), foi a vez de o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), nominalmente a mais alta corte venezuelana, respaldar o resultado oficial do regime e afirmar que Maduro poderá continuar a ocupar a Presidência até pelo menos 2031.
A decisão já era esperada, já que o TSJ é um órgão fortemente aparelhado pelo chavismo e na última década teve papel central em respaldar juridicamente outras ofensivas do regime contra instituições. Recentemente, o tribunal barrou candidatos da oposição no pleito presidencial. Em 2017, o TSJ ainda teve papel central em cassar os poderes da Assembleia Nacional, à época controlada pela oposição.
A presidente do TSJ, Caryslia Rodríguez, uma militante do PSUV (o partido de Maduro), disse que a decisão da Corte sobre o resultado da eleição presidencial é "inapelável". A decisão do TSJ ainda foi tomada sem a divulgação pública, pelas autoridades eleitorais, das atas da votação.
Rodriguez explicou que supostamente baseou sua decisão em um relatório preparado por especialistas nacionais e internacionais "altamente qualificados e capacitados", cujas identidades não foram divulgadas.
Antes mesmo de o TSJ emitir sua decisão, o candidato da maior coalizão da oposição, a Plataforma Unitária Democrática (PUD), Edmundo González, advertiu que a previsível decisão judicial "só agravará a crise" no país.
"Senhores do TSJ: nenhuma decisão substituirá a soberania popular. O país e o mundo conhecem sua parcialidade e, portanto, sua incapacidade de resolver o conflito. A sua decisão só agravará a crise", disse González na rede social X, na qual previu que o tribunal superior favoreceria o regime, que já vem lançando outras medidas para tentar sufocar a oposição, como prisões em massa e novas leis para banir ONGs.
O TSJ ainda ampliou as ameaças do regime contra a oposição e pediu para que a Procuradoria investigue os responsáveis pela divulgação de atas eleitorais.
No dia da eleição, 28 de julho, a oposição montou uma enorme operação para fotografar o máximo de boletins de urna e atas possíveis durante o pleito. Os registros obtidos (83,5% do total), segundo a oposição, provam que Edmundo González teve mais que o dobro de votos que Maduro.
Todo o processo de divulgação oficial de resultados levantou questionamentos desde o início. Na madrugada de 29 de julho, o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso, um aliado de Maduro, anunciou que o autocrata havia vencido o pleito com 51,2% dos votos, e que o resultado era irreversível. Amoroso se limitou a ler uma folha de papel sem números detalhados diante das câmeras. Já o site do CNE segue fora do ar. E o regime continua negando a divulgação das atas completas.
Nesta quinta-feira, o ministro das Relações Exteriores do regime chavista, Yván Gil, disse ao canal estatal VTV que a decisão do TSJ "encerra um capítulo".
No entanto, a decisão do TSJ de "carimbar" o resultado proclamado pelo regime deve aprofundar o isolamento da Venezuela. A divulgação das atas continua sendo uma demanda da oposição e de boa parte da comunidade internacional, incluindo o Brasil, que segue sem reconhecer a reeleição de Maduro. O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, chegou a propor a realização de novas eleições na Venezuela para resolver o impasse.
Entidades como Organização dos Estados Americanos (OEA) apontaram que o regime chavista aplicoutodo o "manual da manipulação fraudulenta" para distorcer o resultado real. Já o Centro Carter, uma das poucas ONGs que atuou como observadora eleitoral independente nas eleições presidenciais da Venezuela, afirmou que o pleito"não pode ser considerado democrático".
Ainda nesta quinta-feira, a missão internacional da ONU para a Venezuela alertou para a "falta de independência e imparcialidade do o Tribunal Supremo de Justiça". Presidida pela portuguesa Marta Valiñas, a missão apontou que tanto o TSJ quanto o CNE são "instituições que carecem de independência e imparcialidade".
"Alertamos para a falta de independência e imparcialidade do Supremo Tribunal de Justiça e do Conselho Nacional Eleitoral, que têm desempenhado um papel na máquina repressiva do Estado", declarou Marta Valiñas, numa reação da missão publicada na conta oficial do Conselho de Direitos Humanos da ONU na rede social X (antigo Twitter).
Valiñas lembrou ainda que o regime venezuelano "exerceu uma influência indevida sobre as decisões do STJ, nomeadamente através de mensagens diretas aos juízes e de declarações públicas do presidente Nicolás Maduro".
Outros dois membros da missão internacional independente da ONU, o chileno Francisco Cox Vial e a argentina Patricia Tappatá Valdez, sublinharam, na mesma publicação, as ingerências do partido de Maduro em ambas as instituições.
"Em 2022, a Assembleia Nacional, que tem uma maioria pró-governamental, alterou a composição da comissão de nomeações judiciais, para a controlar, e selecionou os 20 juízes atualmente em funções no Tribunal Supremo de Justiça. A atual presidente do STJ, Caryslia Beatriz Rodríguez Rodríguez, é membro do partido no poder e já exerceu cargos eletivos", assinala Cox Vial.
Por seu lado, Patricia Tappatá Valdez recordou que o atual presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Elvis Amoroso, "foi membro da Assembleia Nacional pelo partido no poder", notando que, antes, "enquanto controlador-geral, foi responsável pela desqualificação arbitrária de María Corina Machado e de outros candidatos da oposição" às eleições.
jps (ots, EFE, Lusa)