Para meu pai, Romero [in memoriam], uma saudade imensa;
Para Juca, um pai querido, super amoroso, e de carne e osso;
Para Fred, um pai presente, por entre as Pitangas;
Para Flávio, uma vez, um quase-pai.
Hoje, domingo, comemora-se o Dia dos Pais. Enquanto comprava lembrancinhas para
os “meus pais” queridos, aproveitei para presentear a mamãe aqui com algumas
leituras, as quais recomendo:
Crescemos ouvindo que ser mãe é um estado instintivo e
natural de toda mulher e que esse desejo intrínseco feminino se define como
padecer no paraíso.
Com o movimento feminista, esses conceitos estanques foram por água abaixo e o
repensar sobre o que é ser mulher e ser mãe foram totalmente desconstruidos e
reformulados. Élisabeth
Badinter, com o seu "Por um Amor Conquistado", e Adrienne Rich,
com "Of Woman Born - Motherhood as Experience and Institution" são
apenas dois exemplos de feministas/pensadoras dessas questões. Explicam como
nós, mulheres, fomos manipuladas pelas construções perversas da cultura do
patriarcado, cultura esta que se encarregou, por milênios, em afirmar certas
atrocidades.
Algumas
décadas se passaram para se falar da outra ponta do novelo: A paternidade,
esse território ainda pantanoso e tão inexplorado por homens e mulheres, mas
que já se encontra na agenda dos movimentos feministas, gays, masculinistas,
LGBTs etc.
O que é ser pai? Eis a questão! O que delimita esse território? Como se
constrói um pai? Biologia, Genética, Justiça, até onde o sangue é determinante,
ou será o querer e a concordância que ditam os anseios de homens e mulheres?
Com tantos modelos de família, de amores e de relações, tudo fica fronteiriço,
híbrido e nebuloso.
Nos tempos das casas grandes e das senzalas, o sinhozinho tinha
muitos filhos rodeando seu território, delimitando espaços. Mas os filhos ditos
legítimos... isso era outra estória. Ainda lembro dos termos: filho natural,
filho bastardo, filho legítimo. Natural de onde? As fronteiras eram tratadas e
vistas dessa forma: legitimidade de um lado, naturalidade de outro; tudo preto
no branco; os papéis estabelecidos e as feridas íntimas também.
Hoje, já não temos mais as senzalas. As feridas tornaram-se públicas e ter
filho continua uma decisão difícil, dentro e fora do casamento. As mulheres
quase sempre se encontram frente ao abismo quando tornam-se mães e veem-se
diante dos filhotes. Sentimentos de: rejeição, super proteção e depressão pós
parto são comuns na maternidade, já que carregar um desejo na cabeça ainda é
por demais distante de ter um serzinho humano nos braços. Todas as convenções
vão por água abaixo diante de peitos cheios de leite, sono, exaustão, e um ano
— ou uma vida inteira — sem poder existir como seres únicos e indissociáveis
mãe-filho-mãe!
Ainda mais abstratas são as implicações do ser pai! A literatura está aí cheia
de termos novos: Nova Cultura da Paternidade, DNAs, Pai biológico, Pai
genético, Pai Registral, Pai Cartorário, enfim, um novo dicionário da língua
para dar conta aos novos exercícios da paternidade. Todo dia encontro homens
que não exercem o devido papel com os filhos ditos do próprio desejo. Homens
ausentes, homens distantes, os quais ainda hoje acham e acreditam que ser pai é
pagar contas e comparecer nas festividades e rituais. Quando muito!
Nas
últimas décadas, como consequência do movimento feminista, existe também a
busca por um modelo de pai contemporâneo e participante. Pais que mudem
fraldas, preparem a mamadeira, cantem músicas de ninar, contem estórias e que
fiquem com os filhos pequenos, para a mulher poder brincar no bloco das
Muriçocas até o amanhecer. Qualquer semelhança com a realidade é pura
divagação. Daniel bem que aproveitou desse novo modelo de pai!
Talvez os homens ainda estejam à procura de uma identidade paternal, que não seja
a imposta pelas convenções e tampouco aquela ditada pelas mulheres. Tudo é novo
e se desmancha no ar quando o assunto é paternidade. Conheci alguns pais que
caíram em ciladas e se enredaram nas artimanhas da vida. Morreram negando esse
estado de pai, frente a todo sofrimento que causaram às suas famílias; pais que
se fazem de mortos diante de exigências [ir]reais e das muitíssimas
mulheres-malandras, aquelas que ainda utilizam o artifício do golpe da barriga)
para segurar a presa-homem. O fato é que, em tempos pós-modernos, barriga
nenhuma segura nada. Se estamos vivendo o mundo das fragmentações, esse pedaço
do corpo, digo tronco e membros, de nada sensibiliza esse seres
[extra]terrestres que ainda são os homens, pelo menos para nós mulheres.
Em tempos de banco de doadores de sêmen, gravidez in vitro,
maternidade independente e tantas outras novidades legítimas ou não, éticas ou
não, paradoxalmente, a paternidade transformou-se em algo ainda mais fluido. Se
por um lado existe o DNA (para não pairar nenhuma dúvida), por outro os homens
também exigem o direito do [re]conhecimento e do exercício/construção do afeto,
por suas livres escolhas e desejos. O difícil é juntar os pedaços de um
quebra-cabeça para lá de picadinho, que envolve certidão, [ausência de]
sentimento, corporalidade, convivência e concretização. Ser mãe, carregar um
filho no ventre e nos braços, amamentarm, são coisas que ainda nos causam
estranhezas. Imagine para o pai, que não carrega coisa nenhuma.
Para a Agenda do Século XXI, há muita água ainda a rolar. O caminho pode ser
longo para o que se possa chamar de pai.
Com afeto, feliz Dia dos Pais, especialmente para aqueles que um dia souberam
dividir comigo a experiência única de ser/ter filhos.
Ana Adelaide Peixoto Tavares é doutora em teoria da literatura, professora e escritora