Publicada em 26/07/24 às 12:13h - 50 visualizações
por FRlavio Ramalho de Brito.
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(Foto: Flavio Ramalho de Brito)
26 de julho de 1930, fazia cinco meses que o sertão da Paraíba vivia em um estado de guerra. No dia primeiro de março daquele ano, haviam sido realizadas as eleições para Presidente e Vice-Presidente da República, deputados federais e uma vaga no Senado. Na véspera do pleito, por determinação do Presidente do Estado, João Pessoa, uma insensata operação da polícia estadual foi realizada na cidade de Teixeira.
A ação, que teria como objetivo declarado garantir a normalidade do pleito no local, na realidade constituiu uma investida contra a família Dantas, que atuava, politicamente, no município e que fazia oposição ao governo estadual. A abusiva ofensiva da polícia chegou ao ponto de prender inocentes mulheres daquela família, que não tinham nenhuma participação na política. A família Dantas era ligada, por laços políticos, de amizade e de negócios, ao coronel José Pereira, chefe politico do município de Princesa e, então, o mais influente dos coronéis do interior da Paraíba. A reação à investida da força policial foi relatada pelo próprio coronel José Pereira, em entrevista por ele dada, quase vinte anos após o ocorrido:
“Mandei uma força de 200 homens sitiar a polícia que se achava em Teixeira”.
Começava, naquela ocasião, o enfrentamento entre rebelados, sob o comando do chefe político princesense, e as forças do governo estadual, conflito que ficou comumente conhecido como a “Revolta de Princesa”. A partir daí, e durante os cinco meses que se seguiram, cotidianamente, as notícias sobre lutas, combates e demais ocorrências relacionadas com a rebelião estavam presentes, em locais de destaque, nos principais jornais do País. E esse continuado noticiário da conflagração, que se dava nos sertões da Paraíba, só findou quando um fato inesperado e ainda mais extraordinário se sobrepôs aos acontecimentos relacionados com os embates no interior paraibano.
Na tarde do sábado, 26 de julho, o advogado João Dantas, membro da família que dera o motivo que principiou a Revolta de Princesa, assassinava, numa confeitaria, no centro do Recife, o Presidente João Pessoa. As notícias da morte do governante paraibano começaram a chegar à Paraíba, pelo telégrafo, no início da noite do sábado. Ao longo deste relato, sempre que possível, transcreverei os jornais da época, preservando a ortografia então vigente:
A União ▪ Paraíba“O povo parahybano ficou em desespero ao ter a confirmação da morte do presidente João Pessoa. Grupos formaram-se de repente e commeteram varias depredações na cidade. A residencia do senador pereirense José Gaudencio, na rua Duque de Caxias, cuja família avisada em tempo, pelo telegrapho, refugiou-se na Capitania do Porto, foi invadida pela multidão em desespero. Os moveis foram atirados no leito da rua e incendiados. A policia, apesar do máximo esforço despendido, tornou-se impotente para sofrear o impulso do povo em clamor.”
O Globo ▪ Rio de Janeiro“Parahyba, – 27 (A.B.) Em frente á residencia do senador José Gaudencio, o povo se deteve e, sem a menor hesitação, arrombou as portas, penetrando e devastando tudo o que encontrou. Depois trouxe para a rua os moveis e utensílios do Sr. José Gaudencio e armando tres grandes fogueiras, deitou fogo, só se afastando do local quando tudo ficou reduzido a um montão de cinzas. A casa não foi queimada para não incendiar os predios vizinhos.”
José Gaudêncio havia sido colega de turma de João Pessoa na Faculdade de Direito do Recife. Fora promotor e juiz em São João do Cariri e depois substituíra José Américo de Almeida na Procuradoria Geral do Estado (o atual Ministério Público). Deixara a Procuradoria para dirigir um jornal e disputar um mandato eletivo. Desde que Epitácio Pessoa assumira, em 1915, o comando da política da Paraíba, José Gaudêncio era o principal nome do epitacismo na região do Cariri. Antes da eleição de João Pessoa, chegou a ter o seu nome apoiado para Presidente do Estado pelo prefeito de Campina Grande, Ernâni Lauritzen. Logo no início do governo, rompeu politicamente com João Pessoa, passou para a oposição e, depois, elegeu-se senador com o apoio do governo federal e do Presidente da República Washington Luís, num pleito deturpado, como eram todos aqueles realizados durante os tempos da República Velha, período no qual, no conceito sintético de Câmara Cascudo, as eleições eram falsas e os políticos verdadeiros. A definição dada pelo grande escritor potiguar poderia muito bem, hoje, ainda ser aplicável, de forma inversa, aos atuais políticos e eleições.
No Rio de Janeiro, na segunda-feira que se seguiu ao assassinato de João Pessoa, dia 28 de julho de 1930, foram realizadas sessões na Câmara Federal e no Senado. Na Câmara, deputados da oposição se alternaram na tribuna, alguns imputando ao Presidente da República a responsabilidade pelo assassinato de João Pessoa. As galerias da Câmara estavam ocupadas por inflamados partidários do governante assassinado. Nenhum deputado da Paraíba compareceu à sessão. Como todos eram de oposição a João Pessoa, muito provavelmente estavam temerosos de represálias por parte de pessoas mais exaltadas e inconformadas com o que aconteceu com o político paraibano. Na tribuna, segundo o jornal Crítica, o deputado mineiro José Bonifácio vociferava, cobrando a presença na casa dos representantes da Paraíba:
No Palácio Monroe, sede do Senado Federal, esperava-se o mesmo ambiente de exaltação e comoção que ocorrera na sessão da Câmara. Dos três senadores da Paraíba, dois eram partidários de João Pessoa, Epitácio Pessoa e Venâncio Neiva. Epitácio estava fora do País e Venâncio Neiva não compareceu à sessão. Havia grande expectativa com relação à presença, naquele dia, de José Gaudêncio no plenário do Monroe.
José Gaudêncio, desde que assumira o mandato, fora um dos senadores que mais ocuparam a tribuna do Senado, onde, invariavelmente, se apresentava com críticas ao governo de João Pessoa. Dois dias antes do assassinato do Presidente paraibano, José Gaudêncio discursara apelando ao Presidente da República para que decretasse a intervenção federal na Paraíba, como forma de pacificar o Estado, que estava conflagrado com o episódio de Princesa. Nesse mesmo discurso, tratara, premonitoriamente, de uma arbitrariedade que havia sido praticada pela polícia da Paraíba, episódio que, dois dias depois, teria como consequência a tragédia do Recife. A denúncia feita por José Gaudêncio no Senado, publicada nos jornais no dia anterior ao assassinato de João Pessoa, se referia à invasão, pela polícia estadual, do escritório do advogado João Dantas, com a retirada e exposição de documentos pessoais do advogado, inclusive suas cartas íntimas para a professora Anayde Beiriz:
“A inviolabilidade do lar é uma ficção na Parahyba. Assim é que a casa de residencia e o escriptorio do Dr. João Dantas, notavel advogado, figura de grande relevo politico e social, de tradicional família parahybana, acabam de ser assaltados, embora estejam localizados nas imediações do palácio presidencial. É o que relata o telegrama junto, firmado pelo deputado João Suassuna.”
Por sua conhecida posição de renitente e implacável oposicionista a João Pessoa, considerando-se a comoção que resultou da morte do Presidente paraibano, esperava-se que José Gaudêncio não fosse ao Senado naquela segunda-feira, em que as galerias do Palácio Monroe se agitavam com a presença de partidários do governante desaparecido. Mas, não foi o que ocorreu. José Gaudêncio compareceu normalmente à sessão do Senado, ocupou a tribuna e fez o necrológio de João Pessoa, publicado com destaque nos jornais do Rio de Janeiro, entre eles o periódico Crítica:
Continua a narrativa do jornal:
O jornal Gazeta de Notícias, além de publicar o discurso de José Gaudêncio, expôs, na sua primeira página, um editorial com o título Um Homem, se reportando à posição assumida pelo senador caririzeiro:
Naqueles tempos de paixões e de confrontos, o pronunciamento de José Gaudêncio no Senado, pregando a conciliação, não teve nenhuma repercussão na Paraíba. O jornal oficial A União, resumidamente, assim o noticiou:
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