No cartório de Seu Pedoca

Toda cidade pequena do Brasil tem um sujeito que é considerado o maior mentiroso. Acaba sendo uma espécie de mentiroso oficial. Tudo quanto é mentira grosseira que aparece entra na conta dele. 
Às vezes alguém inventa uma mentira e diz que foi o tal mentiroso que contou. 
Em Piancó, tinha alguns mentirosos, mas o maior deles era o chico rapadura. Muitas mentiras atribuídas a ele foram inventadas por outros, mas ele também nunca negou fogo. Fazia por merecer a fama. Eu contei várias histórias dele, e repito uma delas aqui.
O cartório do meu tio pedoca era frequentada por ele e por um monte de homens que não tinham o que fazer. Era uma espécie de ponto de encontro de desocupados. 
Às vezes tinha mais de dez pessoas ali, mas só dois ou três esperavam para tirar algum documento. Os demais estavam lá para conversar e, comumente, fofocar.
Um dia, o cartório estava cheio, chegou o chico rapadura. O pessoal já se assanhou: lá vem mentira das boas. Um sujeito puxou assunto com ele:
— Ô, CHICO, cê tá sumido...
Ele contou:
— Passei uns dias na roça, pescando... Foi lá no açude de Coremas.
— Pegou muitos peixes? — perguntou o outro.
— De quantidade foi pouca, só algumas traíras. Mas cada baita! Uma delas pesava quatro quilos.
Ficou aquele clima... Quanto pesa uma traíra? Meio quilo? E o CHICO vem com a história de traíra de quatro. O CHICO não aceitava que o desmentissem, mas um sujeito arriscou:
— Ô, CHICO, traíra de quatro quilos?...
Antes que ele ficasse bravo, o sujeito falou, outro cara que tinha fama de mentiroso, sapecou:
— Pode ser... Pode ser... Aquele açude é muito esquisito. Um dia eu estava pescando nele, fisgou alguma coisa e eu pensei: é um peixe bem grande, porque estava difícil tirar o baita. Fiz bastante força e puxei, e sabe o que saiu do rio?
— Hum... hum...  — Responderam.
— Um lampião aceso!
Aí o CHICO ficou bravo mesmo:
— Cê tá mangando deu? Onde já se viu tirar um lampião aceso do fundo do açude!
O outro deu um sorrisinho maroto e falou:
— Diminui um pouco a sua traíra que eu apago o meu lampião.

Tavinho Sá Leitão